Saúde mental infantil: sinais de alerta e quando intervir

Bebés e crianças
Cérebro e saúde mental
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Mais de metade das doenças mentais têm início na infância ou adolescência. Um diagnóstico precoce e reconhecer sinais de alerta fará a diferença no futuro.

A saúde mental não é apenas a ausência de doença, mas sim a capacidade de adaptação às diferentes situações da vida. No caso dos bebés, das crianças e dos adolescentes, esse equilíbrio emocional é essencial para o seu desenvolvimento cognitivo, social e afetivo.

No entanto, os números globais mostram que este é um desafio crescente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a nível mundial, um em cada sete jovens entre os 10 e os 19 anos sofre de uma perturbação mental, representando 15 % do peso global da doença nessa faixa etária. A depressão, a ansiedade e os distúrbios comportamentais estão entre as principais causas de incapacidade e doença nos jovens. Estes dados evidenciam a importância de identificar sinais de alerta precocemente e procurar ajuda especializada. João V. Guerra e Rita Rapazote, psiquiatras da Infância e da Adolescência, explicam não só que sinais são esses - para diferentes fases do desenvolvimento -, mas também como agir.



O que é a Pedopsiquiatria e qual o seu papel?

Em Portugal, a Psiquiatria da Infância e da Adolescência (também conhecida por Pedopsiquiatria) tornou-se uma especialidade médica em 1983 e tem como foco o diagnóstico e tratamento de doenças do pensamento, emoções e comportamento que afetam crianças, adolescentes e as suas famílias. Além disso, dedica-se à promoção da saúde mental e à intervenção preventiva em grupos de risco.

"A Pedopsiquiatria é uma especialidade médica que se dedica à avaliação, diagnóstico e intervenção em bebés, crianças e adolescentes - portanto, dos 0 aos 17 anos e 364 dias -, no que diz respeito à saúde mental, incluindo perturbações emocionais, do comportamento e do humor", explica Rita Rapazote, psiquiatra da Infância e da Adolescência. Porque cada criança tem um percurso único, e é essencial avaliar cada caso de forma abrangente, "o pedopsiquiatra faz, de facto, esta avaliação individualizada e abrangente daquilo que é a realidade de cada um dos nossos pacientes", reforça a especialista.

João V. Guerra, psiquiatra da Infância e da Adolescência, salienta que a infância e a adolescência são fases de transformação. "Cada ano, ou cada semestre que avança, algo novo está a acontecer e a evoluir. O médico deve estar atento, tem de ter este conhecimento do desenvolvimento, do que é que é normal em cada etapa da vida, para conseguir distinguir o que é patológico do que é normal”. E essa é uma das principais dúvidas dos pais, perceber quando um comportamento faz parte do desenvolvimento expectável e quando pode ser um sintoma de uma perturbação emocional ou comportamental.

 

Saúde mental infantil: quando nos devemos preocupar?

Nem todas as dificuldades emocionais ou comportamentais indicam um problema de saúde mental. Pequenas variações de humor ou dificuldades pontuais são normais no crescimento. No entanto, quando os sintomas são persistentes, intensos e interferem com o bem-estar da criança, é essencial procurar ajuda especializada.
“Os pais são quem melhor conhece os seus filhos e, portanto, são quem está na linha da frente para identificar comportamentos, atitudes, emoções que fujam daquilo que é a norma, o que é normal e habitual no seu filho", alerta Rita Rapazote. E acrescenta: "Sintomas como alterações do humor; tristeza intensa e duradoura; falta de motivação; falta de energia; alterações do sono; alterações do apetite; ansiedade”, isto é, sinais “que saiam das variações normais e que se prolongam no tempo, são intensos, causam sofrimento e interferem com a vida dos filhos, devem, sem dúvida, ser alvo de avaliação", acrescenta.

João V. Guerra reforça que um dos principais sinais de alerta é quando um sintoma começa a afetar várias áreas da vida da criança. "Há algo que nos deixa sempre alerta, que é quando surge algo de novo, uma queixa nova, e essa queixa tem um impacto em diferentes áreas da vida da criança. Não se cinge apenas a um local, apenas a uma área, mas começa a invadir um pouco a vida da criança, seja no contexto familiar, escolar, lúdico, desportivo", explica.

 

Sinais de alerta por faixa etária

Cada fase do desenvolvimento apresenta um conjunto específico de desafios e possíveis perturbações. Além disso, a expressão sintomática de uma patologia pode manifestar-se de forma distinta ao longo do crescimento da criança.

 

0-5 anos: bebés e crianças pequenas

Nos primeiros anos de vida, a relação com os pais e o desenvolvimento emocional e social são aspetos essenciais. “Os três primeiros anos são fundamentais na forma como depois o cérebro se vai construindo no sentido de estar mais disponível para aprender, para explorar, para conhecer, e também se torna mais resiliente, mais resistente às adversidades”, refere Rita Rapazote.

 

Sinais a estar atento

  • Dificuldade em estabelecer vínculo com os pais;
  • Falta de interesse pelo ambiente ou dificuldade em interagir;
  • Problemas graves de sono ou alimentação sem causa física;
  • Birras muito intensas e frequentes;
  • Atrasos significativos na linguagem ou motricidade.

 

6-12 anos: a idade escolar

"Avançando mais na idade e com entrada na idade escolar, surge outro tipo de desafios, que são os relacionados com a aprendizagem. Muitas vezes, são problemas que já existiam, mas que emergem nesta época da vida pelas exigências que o contexto escolar traz", explica o pedopsiquiatra João V. Guerra.

 

Sinais a estar atento

  • Recusa persistente em ir à escola;
  • Dificuldades de aprendizagem sem explicação pedagógica;
  • Ansiedade extrema ou medos irracionais;
  • Isolamento social ou dificuldades em criar amizades;
  • Agressividade excessiva ou comportamentos desafiadores;
  • Queixas físicas frequentes sem causa médica.

 

13-18 anos: a adolescência 

Nesta fase, os problemas de saúde mental começam a assemelhar-se aos da idade adulta. “Sabemos que, em mais de metade dos casos de doença mental no adulto, os sintomas começaram ainda em idade pediátrica. Tratar o mais precocemente possível essas perturbações não só protege as pessoas, os futuros adultos, mas também o seu percurso de desenvolvimento”, alerta a pedopsiquiatra Rita Rapazote.

 

Sinais a estar atento

  • Tristeza profunda e duradoura, falta de motivação ou energia;
  • Alterações graves do sono e apetite;
  • Automutilação ou ideação suicida;
  • Comportamentos de risco (consumo de substâncias, agressividade);
  • Distúrbios alimentares (restrição alimentar, vómitos autoinduzidos);
  • Isolamento social severo ou rejeição de atividades antes apreciadas.

 

Saúde mental das crianças e adolescentes: quando intervir

A OMS alerta que metade das doenças mentais do adulto começam antes dos 14 anos, mas muitas vezes não são reconhecidas nem tratadas a tempo. Esse atraso no diagnóstico compromete não só a saúde mental futura, mas também o desempenho escolar, a socialização e as oportunidades na vida adulta. 

"Quando existe uma perturbação mental, quanto mais cedo for identificada e tratada, melhor", sublinha Rita Rapazote. Além disso, “protege contra a probabilidade de haver um novo episódio no futuro. Mas tratar permite também que o percurso de desenvolvimento da criança, do jovem, seja o mais harmonioso possível, sem perder oportunidades de aprendizagem e socialização e ter um percurso o mais completo e saudável possível".

O tratamento depende do diagnóstico e da gravidade dos sintomas. A abordagem terapêutica é sempre personalizada e pode incluir:

 

Consultas terapêuticas

As consultas de Pedopsiquiatria são um espaço de avaliação e acompanhamento. “São momentos de excelência para o estabelecimento daquilo que nós chamamos a aliança terapêutica, que no fundo é uma relação de comunicação aberta, transparência e empatia, que nos vai permitindo conhecer cada uma das crianças”, explica a especialista.

 

Uso de medicação

A medicação pode ser recomendada em casos graves: “Há muitas vezes o benefício de utilizar medicação, sobretudo quando os sintomas são muito intensos e causam, de facto, muito sofrimento e disfunção” explica a pedopsiquiatra.

 

Intervenção multidisciplinar

O tratamento pode envolver outras áreas, como:

  • Terapia da fala – essencial para dificuldades de comunicação;
  • Psicomotricidade – trabalha a coordenação e expressão emocional;
  • Terapia ocupacional – apoia a autonomia, a rotina diária e o processamento sensorial;
  • Psicologia – fundamental na gestão emocional e na relação com o próprio e com os outros.

“Quando isso é necessário, fazemos a articulação e referenciação para outras especialidades médicas com as quais trabalhamos em equipa multidisciplinar,” salienta Rita Rapazote.

 

Grupos terapêuticos

Em alguns casos, as crianças beneficiam de grupos terapêuticos onde podem interagir com pares que enfrentam desafios semelhantes, sendo “uma arma terapêutica muito relevante”, refere a especialista.

 

O papel da família e da escola

O ambiente familiar é determinante na saúde mental infantil. Pais atentos e disponíveis fazem toda a diferença, mas é essencial reconhecer que o bem-estar dos cuidadores também influencia a criança. Como sublinha o médico João V. Guerra, “no sentido de promover um desenvolvimento saudável e um desenvolvimento mais harmonioso para uma criança, não existindo receitas mágicas, há uma combinação de fatores que podem ser particularmente importantes e a coexistência de um ambiente caloroso e afetivo, associado a um ambiente previsível e com alguma consistência, alguns limites e regras, seria a combinação mais favorável para crescer bem”.

A escola também desempenha um papel fundamental. Professores, auxiliares e educadores podem ser os primeiros a notar sinais de alerta e devem estar sensibilizados para encaminhar a criança para apoio especializado quando necessário.

Criança desenha numa folha com ajuda de pedopsiquiatra.

 

Se notar sinais persistentes de ansiedade, depressão ou dificuldades de socialização ou comportamento no seu filho, não hesite em procurar ajuda profissional. A intervenção precoce pode fazer a diferença no sucesso do tratamento.

Fontes:

Conselho Nacional de Saúde, março de 2025

Coordenação Nacional para a Saúde Mental, março de 2025

Ordem dos Psicólogos, março de 2025

World Health Organization, março de 2025

 

Publicado a 21/04/2025