Doenças da tiroide: quais são e como se tratam?

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Sabia que um em cada dez portugueses pode ter doenças da tiroide? Inês Sapinho, endocrinologista, e Maria Olímpia Cid, cirurgiã geral, falam sobre tratamentos.

Nos últimos anos, “houve uma grande evolução no diagnóstico das doenças da tiroide, sobretudo devido à divulgação e maior acuidade diagnóstica da ecografia”, afirma Maria Olímpia Cid, cirurgiã geral. Segundo a especialista, “na população portuguesa estima-se que cerca de uma em cada dez pessoas possa ter uma doença da tiroide, ou seja, um milhão”. E se “a grande maioria destes doentes não estão diagnosticados”, esse número tem vindo a aumentar, o que implica o empenhamento na realização em tempo útil dos exames de diagnóstico e nos tratamentos, quando necessários, para os vários tipos de doença.

Por outro lado, Maria Olímpia Cid lembra que “as doenças da tiroide são cerca de quatro vezes mais frequentes no sexo feminino e aumentam ao longo da idade”. Algo que Inês Sapinho, endocrinologista, refere que “ainda não é bem compreendido, é como se fosse um puzzle incompleto em que entram fatores hormonais, genéticos e ambientais”. O que oferece cada vez mais garantias e melhor compreensão, para Inês Sapinho, é a abordagem a vários tipos de doença da tiroide: “São de diagnóstico muito fácil, acessível, com uma simples análise ao sangue. E com o tratamento há uma melhoria muito significativa da qualidade de vida.”



Quais são as doenças mais frequentes da tiroide?

Inês Sapinho destaca que “as doenças da tiroide mais frequentes são o hipotiroidismo e o hipertiroidismo”, explicando o que são e quais os sintomas de cada uma:

  • Hipotiroidismo: quando ocorre uma diminuição das hormonas tiroideias e há uma desaceleração do metabolismo. Por isso, entre as queixas principais estão cansaço, sonolência, apatia, depressão, um humor deprimido, queda de cabelo, unhas quebradiças, obstipação, que é uma queixa muito frequente, e uma intolerância ao frio.
  • Hipertiroidismo: quando há um aumento das hormonas tiroideias. Com o organismo muito acelerado, sintomas frequentes são insónias, irritabilidade, as pessoas têm um aumento do apetite mas emagrecem e têm um aumento do trânsito intestinal, há palpitações e uma grande intolerância ao calor.

 

A endocrinologista lembra, contudo, que “são sintomas de instalação lenta e com sintomas muito inespecíficos, que se confundem com os de outras doenças. Por isso é importante falar destas doenças, destes sintomas, para que haja uma procura do médico”.

Outras doenças da tiroide incluem:

  • Doenças autoimunes, “que são extremamente frequentes”, afirma Inês Sapinho. Há estudos que reportam atingir até 15 % da população portuguesa.
  • Nódulos da tiroide, cujos sintomas mais comuns, segundo Maria Olímpia Cid, são “a sensação de desconforto local, o engasgamento e em casos mais graves - sobretudo se a tiroide crescer para o tórax e nos tumores avançados - a alteração da voz e a falta de ar”.

 

“A maioria das doenças da tiroide são crónicas e por isso as pessoas precisam de um acompanhamento ao longo da vida pelo seu endocrinologista”, salienta Inês Sapinho.

 

Sabia que...

O hipotiroidismo “é dez vezes mais frequente na mulher e também aparece em cerca de 5 % das grávidas. É muito importante fazer o seu diagnóstico e tratamento precoces para que o feto ou o bebé não sejam prejudicados”, alerta Maria Olímpia Cid.

 

Há mais tumores malignos da tiroide?

“A taxa de probabilidade de aparecer um tumor maligno na nossa população é cerca de 1 %”, refere Maria Olímpia Cid. O diagnóstico tem aumentado nos últimos anos, “essencialmente devido ao uso da ecografia, por ecografistas / radiologistas cada vez mais experientes, muitos deles dedicados exclusivamente ao estudo das doenças do pescoço. Estima-se que esse aumento é de cerca de 5 %, embora com uma taxa de mortalidade inferior a 1 %”.

Assim, com a realização atempada da cirurgia de remoção do tumor, com poucos ou nenhuns efeitos secundários, a segurança é muito elevada. Além disso, a cirurgiã destaca, “os tumores da tiroide têm um comportamento muito indolente, muito lento, e o aumento da incidência verifica-se sobretudo nos tumores infracentimétricos, abaixo de 1 cm, chamados microcarcinomas. A grande maioria dos microcarcinomas pode ser apenas vigiada e não necessita de qualquer tratamento”.

 

Como é feito o diagnóstico?

Maria Olímpia Cid explica que “o diagnóstico se faz através da ecografia, que deve ser realizada por ecografistas experientes, porque é necessário ter um diagnóstico seguro para propor uma terapêutica adequada a cada doente”. Inês Sapinho lembra que “é importante distinguir se temos nódulos benignos ou nódulos malignos. A ecografia da tiroide revela as características do nódulo, que vão ajudar a decidir se esse nódulo precisa de fazer uma citologia / biópsia, através de punção dirigida ao nódulo são removidas algumas células que vão para análise, para identificar se o nódulo é benigno ou maligno”. Inês Sapinho destaca ainda que “na maior parte dos casos conseguimos completar o diagnóstico com a citologia” e, quando ainda assim não é suficiente, “pode-se repetir o exame nalgumas situações, ou temos que explicar ao doente que caiu numa área cinzenta e que é melhor ser operado para esclarecer”, isto é, para se obter um diagnóstico definitivo. Mesmo quando o tratamento passa por cirurgia, nem sempre há “indicação para se retirar a tiroide toda só porque se tem um nódulo”, salienta Maria Olímpia Cid.

 

Sabia que...

85 % a 90 % dos nódulos encontrados na tiroide são benignos. E a cirurgia é apenas um dos vários tratamentos para a tiroide que pode, em muitos casos, não ser completamente removida.

 

Qual o médico que decide ou aconselha o tratamento a fazer?

“São discutidos em contexto multidisciplinar os casos complexos de doença benigna ou maligna, citologias indeterminadas, doentes com outras doenças associadas que podem complicar o tratamento e em todas as situações nas quais o médico assistente pretenda ouvir a opinião do grupo multidisciplinar. É muito importante que, sobretudo as situações mais complexas ou de opção terapêutica mais controversa, potencialmente associadas a maior risco, sejam discutidas em consulta multidisciplinar que inclui endocrinologistas, cirurgiões, anatomopatologistas, radiologistas e, mais raramente, a Medicina Nuclear e a Radioterapia”, explica Maria Olímpia Cid, acrescentando que “a experiência destas equipas diminui muito o risco e as complicações associados à abordagem diagnóstica e terapêutica das doenças da tiroide”.

 

Que tipos de tratamento existem além da cirurgia?

Em relação ao tratamento das disfunções da tiroide, Inês Sapinho descreve que “no hipotiroidismo é muito simples, com comprimidos, tratamento que é ajustado em função da idade do doente, das doenças que tem e medicamentos que faz, além das análises regulares”. Relativamente ao hipertiroidismo, “além de tratamento com comprimidos, temos outras opções terapêuticas, como o iodo radioativo ou a cirurgia. A decisão é tomada com o doente e também tem de ser ajustada às opções, às doenças que o doente tem, a medicamentos que ele faça. Por exemplo, se uma mulher quer engravidar, no caso do hipertiroidismo muitas vezes damos indicação para tratamento cirúrgico”.

Maria Olímpia Cid explica que o tipo de abordagem terapêutica varia em função do diagnóstico. “Na doença benigna com função tiroideia normal, o vulgar bócio, a indicação cirúrgica não é obrigatória em todos os casos, apenas quando os nódulos são volumosos, quando há um crescimento rápido, recente ou quando provocam sintomas compressivos. No hipertiroidismo, a indicação para cirurgia depende de vários fatores, entre os quais se salienta a resposta e a adesão do doente ao tratamento médico (por via oral), a dimensão dos nódulos, a evolução / complicações da doença, sendo todos eles discutidos com o doente. Para o nódulo isolado que provoca hipertiroidismo, dependendo das suas dimensões, poderá ponderar-se o tratamento com iodo radioativo. 

A classificação internacional de Bethesda, que resulta da avaliação microscópica das células colhidas na citologia / biópsia, fornece informação sobre o risco de malignização dos nódulos tiroideus e é uma ferramenta indispensável na sua avaliação diagnóstica. As citologias indeterminadas, como a lesão folicular de significado indeterminado, têm uma probabilidade de ser um carcinoma rondando os 5 % a 10 %. Estes nódulos nem sempre têm indicação cirúrgica, embora nesse caso se deva estabelecer um plano de vigilância adequado”.

Por sua vez, “o tumor folicular, que apresenta algumas das alterações celulares observadas no tumor maligno, tem uma probabilidade de poder ser carcinoma rondando os 25 % a 35 %. Neste caso, há indicação cirúrgica. Nos nódulos com citologia suspeita a probabilidade já ronda os 80 % a 85 %, portanto, também têm indicação cirúrgica. Quando às citologias com diagnóstico de tumor maligno / carcinoma têm sempre indicação cirúrgica”, explica a cirurgiã.

 

Em que consiste a cirurgia à tiroide?

A indicação cirúrgica e o tipo de cirurgia dependem do diagnóstico. Na doença benigna, por exemplo, se há necessidade de operar, Maria Olímpia Cid detalha que poderá ser necessário “retirar apenas aquela parte da tiroide, o lado esquerdo ou o lado direito. E isso inclui também a parte central da tiroide, o istmo, que está sobre a traqueia. Trata-se de uma hemitiroidectomia, esquerda ou direita”. O mesmo para a doença indeterminada, “lesão folicular de significado indeterminado ou para o tumor folicular, se não houver outros nódulos na tiroide, mesmo tendo aumentado a possibilidade de haver um carcinoma neste último caso”.

Quanto à tiroidectomia total, “que significa retirar os dois lobos da tiroide e o istmo”, explica a cirurgiã, aplica-se “quando os nódulos são bilaterais, mesmo sendo benignos”, e “no carcinoma que, por princípio, implica retirar a tiroide toda exceto nos microcarcinomas, que são muito frequentes na nossa população, e que são muitas vezes achados incidentais”. No caso dos tumores mais avançados “com metastização ganglionar cervical”, Maria Olímpia Cid indica que “a cirurgia pode incluir o esvaziamento / remoção dos gânglios do pescoço unilateralmente ou bilateralmente, de acordo com os achados diagnósticos”.

A endocrinologista Inês Sapinho lembra ainda que “a cirurgia da tiroide na maior parte dos casos é curativa, mas por vezes é necessário fazer um tratamento complementar para remover e destruir pequenas células benignas ou malignas que tenham ficado, e nesse caso utiliza-se o iodo radioativo. Este tratamento é altamente eficaz e é seguro”.

 

Sabia que...

O tratamento com iodo não tem quaisquer riscos para o doente. As regras de proteção contra a radiação - não dormir acompanhado ou partilhar talheres, por exemplo -, destinam-se às outras pessoas.

 

Há alternativas à cirurgia?

Maria Olímpia Cid refere que “nos últimos anos surgiram outras formas de abordar terapeuticamente a doença nodular da tiroide. A radioablação, por radiofrequência ou por microondas, que é aplicada criteriosamente, tem de ser discutida em contexto multidisciplinar porque temos de assegurar que o nódulo é benigno. Esta técnica dedica-se a destruir o nódulo, contudo, não há colheita de material para análise, portanto, não vamos saber qual é o diagnóstico definitivo do nódulo”. A cirurgiã geral explica, ainda, que “o nódulo não é completamente destruído, mas cerca de 50 % do nódulo desaparecerá até aos seis meses e, eventualmente, poderá repetir-se o procedimento, desaparecendo a maior parte do nódulo”. O nódulo residual será vigiado ecograficamente.

As consequências desta técnica em termos de alterações da voz são algo semelhantes às da cirurgia, mas a nível estético o impacto é menor. É uma opção possível em doentes mais jovens ou no doente com idade avançada e outras patologias associadas que “correrá menos risco”, caso o diagnóstico o permita, porque “a cirurgia quando está indicada não tem alternativas”, esclarece.

 

Retirar a tiroide não traz consequências?

Pela sua localização junto da traqueia e dos nervos que inervam as cordas vocais, a intervenção cirúrgica na tiroide pode ter efeitos na voz, mas “na realidade a taxa de complicações relacionadas com paresia ou paralisia da corda vocal é baixa e é transitória. Na CUF trabalhamos com uma equipa de otorrinolaringologistas experientes que procedem ao seguimento dos doentes se se registar alguma alteração da voz”, refere Maria Olímpia Cid. A probabilidade de alterações da voz, cerca de 1 % dos doentes, é maior na tiroidectomia total, uma vez que “manipulamos os dois nervos que inervam as duas cordas vocais”.

Por outro lado, “não vivemos sem hormona tiroideia. Se retiramos a tiroide, temos de repor a hormona”, explica a cirurgiã geral. Segundo Maria Olímpia Cid, “a hormona da tiroide é muito bem tolerada, é tomada de 24 em 24 horas em jejum. Nas hemitiroidectomias, estima-se que cerca de 1/4 dos doentes que retiram metade da tiroide tenham de fazer reposição hormonal parcial ou total”. Também se verifica, habitualmente, a diminuição do cálcio após a cirurgia de remoção total da tiroide, sendo necessário, nestes casos, fazer a reposição com medicação (cálcio oral) até os valores normalizarem.

 

Como prevenir as doenças da tiroide?

“Em relação à prevenção das doenças da tiroide não há nada em particular que se possa fazer”, indica Inês Sapinho, “mas, como em relação à nossa saúde em geral, começa sempre por uma boa alimentação, uma dieta equilibrada”. A endocrinologista destaca que “para a tiroide é fundamental termos um aporte de iodo adequado, e ir buscá-lo ao peixe de origem marinha e aos laticínios. Recomenda-se também, atualmente, o uso de sal iodado na nossa cozinha do dia a dia. O exercício físico também é fundamental e deixar de fumar, não estarmos expostos a radiações e toxinas”. Já para as pessoas que tenham “antecedentes familiares da patologia da tiroide, é importante fazerem a sua vigilância, para ser feito um diagnóstico precoce, porque o tratamento é eficaz e dá um ganho muito grande na qualidade de vida”, aconselha.

Publicado a 25/05/2023