Como aprender a viver com uma doença psiquiátrica

Depressão, ansiedade generalizada, fobias e ataques de pânico são diagnósticos encarados com apreensão por uma boa parte das pessoas. No entanto, a verdade é que são problemas que podem ser tratados e até curados. “A depressão pode ser crónica ou não”, explica Beatriz Ruivo Lourenço. “Pode tratar-se de um quadro reativo que regride após o tratamento apropriado ou ser uma depressão crónica que exige tratamento ao longo da vida.” Por sua vez, doenças psiquiátricas mais graves, como perturbação bipolar ou a esquizofrenia, têm um caráter crónico, mas, se forem devidamente tratadas, são perfeitamente compatíveis com uma vida funcional. “É como a tensão alta ou a diabetes: tem de se fazer a medicação todos os dias para que a doença se mantenha controlada.”

No caso específico da perturbação bipolar, esta caracteriza-se por duas fases distintas: a fase depressiva, com sintomas muito semelhantes aos da depressão, e a fase maníaca ou hipomaníaca, que corresponde a um grande aumento de energia, a um pensamento acelerado e a uma maior dificuldade em controlar os impulsos. A alternância entre as duas fases é muito variável e, na perturbação bipolar de tipo 1, pode ser de anos, meses, semanas ou até de apenas alguns dias.

A esquizofrenia, por sua vez, diferencia-se pelos sintomas psicóticos. “As pessoas com esquizofrenia acreditam, de uma forma totalmente impermeável à argumentação lógica, em coisas que não correspondem à realidade”, afirma Beatriz Ruivo Lourenço. A isto juntam-se frequentemente alucinações auditivo-verbais que, regra geral, são ameaçadoras ou envolvem comentários pejorativos.

Beatriz Ruivo Lourenço

Tanto a perturbação bipolar como a esquizofrenia são tipicamente diagnosticadas em adultos jovens, com a esquizofrenia a revelar-se até perto dos 25 anos e a perturbação bipolar entre os 25 e os 35 anos. Apesar de serem doenças crónicas, os tratamentos existentes permitem a muitos doentes manter a qualidade de vida. “Para a perturbação bipolar, existe o tratamento farmacológico com estabilizadores de humor e antipsicóticos. Contudo, é importante enriquecer o projeto terapêutico com outras ferramentas, como a psicoeducação para perturbação bipolar, que trabalha a crítica sobre a doença: a pessoa passa a conhecer a sua doença e percebe quais os sinais de alerta que devem motivar a procura de ajuda o mais cedo possível”, explica a médica, justificando-se com estudos que mostram o impacto desta abordagem na progressão da doença, com internamentos menos frequentes e mais curtos. No caso da esquizofrenia, o tratamento de primeira linha também é feito com antipsicóticos. “Com os recursos terapêuticos que existem neste momento, é possível ter-se a doença e continuar a contribuir para a sociedade”, garante a Psiquiatra, embora admita que isto pode não ser possível em todos os casos.

Outra questão que é importante esclarecer, ainda a propósito de esquizofrenia e perturbação bipolar, é que o facto de ambas as doenças estarem associadas a uma vulnerabilidade genética não torna o seu aparecimento inevitável. “É preciso que existam determinados fatores ambientais e sociais que desencadeiem estas doenças. Por exemplo, em casos de gémeos homozigóticos [idênticos], se um tiver esquizofrenia, o outro tem 50% de risco de vir a desenvolver a doença. O risco não é de 100%”, explica a médica. Ainda assim, a existência de uma doença psiquiátrica grave entre familiares diretos deve implicar uma atenção redobrada à saúde mental. “É muito importante manter hábitos de vida saudáveis e procurar ajuda atempadamente, já que é algo que pode alterar o prognóstico da doença.”

Ao longo dos últimos dois anos, a pandemia teve um impacto direto na saúde mental. “Em particular, os períodos de confinamento aumentaram o sofrimento psicológico e algumas queixas psicológicas como ansiedade, insónia, depressões”, lamenta Beatriz Ruivo Lourenço. “Neste momento, temos doentes muito graves a necessitarem de cuidados mais exigentes e ainda mais especializados.”

 

Fotografia de Ricardo Lopes (4SEE) 

Publicado a 07/03/2022
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Saúde Mental