Cancro do reto: da prevenção ao tratamento

António Quintela e Carlos Vaz, especialistas do Centro de Referência do Cancro do Reto CUF, falam sobre as opções de tratamento disponíveis para este cancro.

Em Portugal, o cancro colorretal tornou-se a segunda doença oncológica mais comum. “São já quase 8 mil casos por ano de tumores do cólon e tumores do reto que vão sendo diagnosticados, sendo que a maioria são do cólon e cerca de 30 a 40 % são tumores do reto”, especifica António Quintela, médico oncologista especialista em cancro colorretal, acrescentando que há cada vez mais diagnósticos em pessoas mais novas: “Em particular o número de novos casos em doentes novos, isto é, doentes com menos de 50 anos, quase duplicou nos últimos dez anos”, com uma maior incidência nos homens, conclui.

O cancro do reto caracteriza-se por um problema de crescimento desorganizado das células do epitélio do reto, ou seja, nos últimos 15 centímetros do intestino grosso.

O Centro de Referência do Cancro do Reto, inserido nas unidades de cancro colorretal da CUF Oncologia, no Hospital CUF Descobertas e no Hospital CUF Tejo, é reconhecido pela Direção-Geral da Saúde pela qualidade e distinção dos seus tratamentos. Para isto são essenciais as equipas multidisciplinares presentes em todos os momentos, do diagnóstico e estadiamento ao tratamento e recuperação.



A importância de uma equipa multidisciplinar

“Na base da decisão do melhor tratamento há uma regra que hoje em dia se considera absolutamente incontornável que é a chamada reunião multidisciplinar, ou seja, a reunião que todos nós fazemos regularmente, em que os especialistas das várias áreas envolvidas neste tipo de doenças - o cirurgião, o oncologista, o radioncologista, o radiologista, o anatomopatologista - têm de estar juntos e perceber qual é, para a circunstância, a melhor opção de tratamento. A melhor opção de tratamento pode passar historicamente, tradicionalmente, pela cirurgia”, explica António Quintela.

Carlos Vaz, cirurgião geral e coordenador do Centro de Referência do Cancro do Reto CUF, acrescenta mesmo que “a existência desta equipa multidisciplinar é mais importante do que ter um robot”, referindo-se aos avanços na cirurgia robótica, também presentes no Centro de Referência do Cancro do Reto. “O mais importante é que eu tenha, desde o diagnóstico até à fase de seguimento e recuperação, passando pelo estadiamento e tratamento, as equipas multidisciplinares com as pessoas especializadas nesta área. É muito diferente, logo na fase do diagnóstico, ter uma ressonância magnética feita por um imagiologista competentíssimo e generalista ou ter uma ressonância magnética feita por um imagiologista competentíssimo e especialista em cancro do reto. As respostas que este imagiologista me vai dar sobre aquele cancro e as implicações que isso tem para o tratamento são muito grandes.”

O grupo de especialistas em cancro colorretal reúne-se todas as semanas para discutir os doentes dessa semana. Para escolher a melhor abordagem de tratamento é necessário, antes de mais, o estadiamento, ou seja, “fazer uma fotografia da situação, perceber se a doença está efetivamente localizada só no reto ou se, porventura, porque isso pode acontecer, passou para outros órgãos”, explica António Quintela.

 

Opções de tratamento do cancro do reto

O tratamento do cancro do reto passa, muitas vezes, pela cirurgia. O cancro do reto situa-se nos últimos 15 centímetros do intestino e isto significa que esta operação pode ter interferência em funções essenciais para a qualidade de vida, tais como as da continência anal, da continência urinária e pela função sexual.

Para Carlos Vaz é importante identificar o segmento do reto que é imprescindível tirar e fazê-lo da forma menos invasiva possível, de modo a preservar os plexos nervosos que possibilitam estas funções. Sendo os diagnosticados com cancro do reto cada vez mais jovens, é importante não ignorar a qualidade de vida que terão após a operação.

 

Atualmente, as cirurgias disponíveis para tratar o cancro do reto são:

  • Laparotomia, uma excisão a que comummente se chama cirurgia aberta. Hoje, em alguns casos, já é possível tirar todo o reto e preservar o ânus e fazer uma nova ligação, evitando que o doente fique com uma ostomia.
  • Laparoscopia, uma cirurgia vídeo-endoscópica, que permite ter uma visão até melhor do que a cirurgia aberta. Esta cirurgia exige, no entanto, grande treino por parte da equipa médica.
  • Cirurgia robótica, uma evolução da laparoscopia. É a tecnologia que permite ser o mais radical possível na remoção do tumor e o mais preciso e seguro na preservação dos plexos nervosos, ou seja, a preservação da função de continência anal, função sexual e urinária. A recuperação dos movimentos do doente e do funcionamento do intestino tende a ser bastante mais rápida e com menos dor.

 

Algumas destas cirurgias são, por vezes, combinadas com tratamentos de radioterapia ou quimioterapia e o tratamento não se esgota aqui. É essencial, no momento de recuperação, a figura do enfermeiro de referência, “enfermagem dedicada a este tipo de doenças, nomeadamente enfermagem dedicada a ostomias, se for o caso”, refere António Quintela, acrescentando outros intervenientes não médicos imprescindíveis: “O ponto de vista nutricional é um aspeto muito importante em todas as situações de cancro, tal como o suporte psicológico”. Para a recuperação do cancro do reto, pode ainda haver a necessidade de fisioterapia pélvica, para haver, por exemplo, uma recuperação de problemas de incontinência.

 

Pode prevenir-se o cancro do reto?

“O essencial é mesmo fazer o rastreio”, diz António Quintela, que o aconselha a partir dos 50 anos, ou até mesmo a partir dos 45 anos, com a concordância de Carlos Vaz: “Se tem 45 ou 50 anos e não sente nada e está saudável, pondere fazer uma colonoscopia, porque grande parte das vezes o cancro do cólon e do reto não dá sintomas, e quando dá sintomas é tarde. Ser tarde ou ser cedo faz toda a diferença. Um cancro do reto ou um cancro do cólon diagnosticado precocemente cura-se quase sempre. Um cancro do cólon ou um cancro do reto diagnosticado tardiamente não se cura quase nunca.”

O alerta feito por Carlos Vaz é apoiado nas estatísticas: “Com um diagnóstico precoce do cancro do cólon temos uma taxa de cura na ordem dos 95 %. O mesmo cancro do cólon, se o apanharmos num estado tardio, temos uma taxa de cura que é inferior a 15 %.”

O rastreio é essencial e é, além disso, uma forma de prevenção secundária, como explica o cirurgião CUF. “A prevenção secundária pode ser feita nos casos de cancro do cólon e do reto. Nós conhecemos e temos acesso às lesões precursoras do cancro, que são os pólipos. Fazemos uma colonoscopia e se o doente tiver um pólipo, a colonoscopia permite-nos removê-lo e quando o removemos estamos a prevenir o cancro porque se calhar esse pólipo ia transformar-se em cancro.”

Para uma correta prevenção, será importante observar igualmente outro fator de risco além da idade: a hereditariedade. “Sabemos que há uma fração pequena, como aliás em vários outros tipos de cancro, em que se verifica uma componente genética, uma espécie de pré-determinação para que esta doença possa ocorrer”, diz António Quintela. Quando este fator se verifica é importante começar o rastreio antes dos 45 anos.

 

Além da prevenção através do rastreio, uma alimentação saudável, rica em fibras e baixa em gorduras, e com controlo calórico, é uma forma de prevenir o cancro do reto e outras doenças oncológicas.

 

A que sinais estar atento?

As queixas que devem levar alguém a uma consulta com um médico especialista são:

  • Alteração no trânsito intestinal recente, sendo mais frequente a obstipação do que a diarreia. “Sublinho que a alteração deve ser recente, porque há pessoas que têm uma obstipação crónica e não têm de estar preocupadas. Se já sabem que têm obstipação, se calhar já fizeram um exame e é assim o seu dia a dia”, explica Carlos Vaz.
  • Sangue nas fezes. “Pode ser vermelho vivo, pode ser mais escuro ou, às vezes, pode ser já o sangue oxidado, que a pessoa não identifica como sangue: são fezes pretas. Isto é mais habitual quando o sangue vem de outras zonas do tubo digestivo, mas pode também vir do cólon,” diz Carlos Vaz.

 

Além destes, há outros sintomas mais genéricos, comuns a outros tipos de cancro:

  • Astenia (falta de força)
  • Anemia
  • Perda de peso
  • Perda de apetite

 

No entanto, muitos cancros do reto (e do cólon) são assintomáticos e essa é uma razão forte para que a vigilância seja feita de uma forma precoce, a partir dos 45 anos e, depois, consoante a indicação do médico.

Publicado a 17/03/2023