Endometriose: o que é, sintomas e tratamentos

Doenças crónicas
Saúde da mulher
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A endometriose tem grande impacto na vida da mulher e o diagnóstico é frequentemente tardio. Miguel Brito e Rui Viana, ginecologistas CUF, falam sobre a doença.

A endometriose é uma doença que, segundo Miguel Brito, ginecologista CUF, afeta 1 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva. A partir do momento em que surgem os primeiros sintomas até ao diagnóstico da doença decorrem muitas vezes vários anos, com grande impacto na qualidade de vida da mulher: "A endometriose pode ser limitativa até da atividade profissional, há mulheres que não conseguem ir trabalhar, que não se conseguem levantar da cama, porque têm dores intensas durante a menstruação. Se transpusermos isso para a vida pessoal, tem uma limitação grande da qualidade de vida da mulher, incluindo na relação sexual", afirma Rui Viana, ginecologista CUF.

 

Mas que doença é esta que pode ter um impacto tão grande no dia a dia da mulher? Rui Viana e Miguel Brito, ginecologistas CUF, explicam-lhe tudo.



O que é, afinal, a endometriose?

"A endometriose é uma doença caracterizada pela presença de tecido endometrial - que é o tecido que forra o útero por dentro da cavidade - fora da cavidade uterina", explicam os médicos ginecologistas. Segundo Rui Viana, "habitualmente, este tecido que sai do sítio onde pertence acaba por se alojar, em 90% dos casos, na pélvis, implantando-se em órgãos aí localizados, nomeadamente na trompa, no ovário, no útero. Também pode implantar-se noutros órgãos próximos, como a bexiga e o intestino, ou em locais mesmo à distância: no diafragma, no pulmão, no cérebro".

 

Sintomas de endometriose

"As queixas causadas pela endometriose dependem muito do grau da profundidade de invasão da doença e em que órgãos é que ela está mais presente", afirma Miguel Brito. "Grandes sintomas da endometriose decorrem da implantação dos tais tecidos endometriais noutros órgãos do nosso corpo", refere Rui Viana, esclarecendo que, "como este tecido não sabe que está fora da cavidade uterina, ele vai obedecer a todo o ciclo menstrual e a todas as instruções hormonais associadas ao ciclo menstrual. Isto é, vai menstruar normalmente e gerar uma reação inflamatória local. Estas células ‘pensam’ que estão no interior do útero e vão continuar a menstruar". Como resultado, podem ocorrer "hemorragias internas e reações inflamatórias, o que, ao longo do tempo, vai causando sobretudo dor associada à menstruação (dismenorreia), à relação sexual (dispareunia) e dor pélvica crónica", enumera o ginecologista. Miguel Brito acrescenta ainda que também pode ocorrer "dor nas pernas, no fundo da coluna e, por vezes, até dor generalizada". Apesar deste sintoma, Rui Viana refere que, "muitas vezes, a dor decursa vários meses ou até anos antes de se chegar ao diagnóstico".

O tipo de sintomas pode variar também consoante os órgãos afetados: "Quando há implantação deste tecido, por exemplo, na bexiga, um sintoma muito comum é a saída de sangue pela urina durante a menstruação. Por outro lado, se existem células de endometriose no reto, pode ocorrer hemorragia retal no período menstrual", explica Rui Viana.

Segundo os especialistas em Ginecologia, outras queixas que podem estar associadas à endometriose são:

  • Cansaço fácil
  • Hemorragias menstruais abundantes
  • Perda de sangue entre os períodos menstruais
  • Menstruação com sangue escuro
  • Dispepsia (dificuldades na digestão)
  • Mal-estar
  • Astenia (fraqueza)
  • Alterações do trânsito intestinal
  • Alterações do humor

 

Contudo, Miguel Brito salvaguarda que "a evolução da doença depende de mulher para mulher e ainda se sabe pouco sobre como evolui", referindo ainda que "apesar de ser benigna, por vezes, a endometriose tem um comportamento de uma agressividade extrema".

 

Há sempre dor na endometriose?

A dor é o sintoma mais frequentemente associado à endometriose, mas, segundo o médico ginecologista Rui Viana, embora seja uma queixa comum, não está presente em todos os casos. "A mulher aprende desde muito nova a gerir e a lidar com esse sintoma, habitua-se a viver com ele, automedicando-se com anti-inflamatórios ou até com a pílula, o que vai mascarando a progressão de uma doença que está lá e que muitas vezes não é logo diagnosticada porque a pessoa também não procura logo ajuda", afirma. O ginecologista Miguel Brito salienta que, embora seja normal ocorrer desconforto durante a menstruação, não é suposto que esta cause dor: "As menstruações não provocam uma dor limitante, em que as adolescentes não conseguem ir à escola ou que leve as mulheres a tomar anti-inflamatórios ou analgésicos em todos os ciclos menstruais". Ter este tipo de dor durante o período menstrual é motivo para procurar ajuda médica.

Nos casos em que a dor não está presente na endometriose, esta doença pode ser diagnosticada devido a outras situações, por exemplo, um casal que não consegue engravidar e procura ajuda médica.

 

Porque demora tanto tempo a ser diagnosticada a endometriose?

"Hoje em dia, há um intervalo de tempo muito grande entre os primeiros sintomas e o diagnóstico da endometriose, que pode levar mesmo 10 anos. Não é por acaso que é conhecida como a «doença oculta» ou uma «doença silenciosa»", afirma Rui Viana.

Mas o que explica esta demora no diagnóstico? Miguel Brito aponta quatro razões:

  1. Normalização da dor: "Durante muitos anos e mesmo atualmente tem vindo a ser aceite que as menstruações são dolorosas, que é normal as mulheres terem dores no período da menstruação e fora dele. É uma questão cultural muito importante e que tem atrasado o diagnóstico desta doença".
  2. Falta de consciencialização sobre a doença, "não só da própria sociedade em geral, mas também de alguma classe médica em particular".
  3. Sintomatologia semelhante a outras doenças: "Uma vez que a endometriose é multiorgânica (pode afetar vários órgãos), pode causar sintomas muito semelhantes a outras doenças".
  4. Falta de acessibilidade: "A falta de acesso a unidades de referência, a profissionais que estão mais habituados a detetar esta patologia e que têm diferenciação nesta área pode atrasar o diagnóstico da endometriose".

 

Sabia que...

"A endometriose é uma doença que na maior parte das vezes surge na adolescência e, nalguns casos - raros, é certo -, o diagnóstico é feito pela primeira vez numa cirurgia de urgência devido a outro problema de saúde", revela Miguel Brito.

 

Como é feito o diagnóstico da endometriose

Para diagnosticar a endometriose, Miguel Brito considera que o mais importante é "escutar a doente e valorizar as suas queixas. Assim, chegamos a um diagnóstico ou, pelo menos, à suspeição de um diagnóstico". Depois, concordam os especialistas em Ginecologia, o diagnóstico deve ser confirmado através de uma observação ginecológica, em que é possível "encontrar-se também alterações muito específicas", afirma Rui Viana.

O passo seguinte é a realização de exames, neste caso de imagem: "O exame mais acessível e que de facto deve ser de primeira linha é a ecografia ginecológica, idealmente feita por médicos diferenciados e que tenham experiência a fazer ecografia em doentes com endometriose. As lesões são visíveis, devem ser procuradas e conseguem ser identificadas por pessoas treinadas. Temos também a ressonância magnética, que sofreu uma evolução enorme em termos de definição de imagem, o que nos permite fazer um mapeamento de toda a endometriose. Isto é extremamente importante, primeiro, para diagnosticar a doença e, segundo, para a estadiar, saber onde é que existem as lesões, onde é que estão os focos, qual é a extensão da doença e no fundo a sua gravidade e assim podermos propor um tratamento adequado para estas situações", salienta o ginecologista Rui Viana.

 

Grupos de risco da endometriose

Há pessoas mais propensas a desenvolver a endometriose? A resposta é "sim". Além de haver "uma componente genética importante nesta doença - o que significa que aquela pessoa quando comparada com outra pessoa tem uma base hereditária (por exemplo, a mãe da mulher tem endometriose) que a leva a ter mais probabilidade de contrair uma doença -, sabe-se também que fatores imunológicos são muito importantes a mediar a endometriose", afirma Rui Viana. Estes fatores "seguramente marcarão a diferença entre as pessoas que desenvolvem ou não endometriose, assim como a probabilidade de terem uma maior ou menor gravidade da doença. Portanto, há alguma susceptibilidade nas pessoas para desenvolver, para a contrair e para a progressão da doença no seu todo", conclui.

 

Tratamento da endometriose

"A endometriose é uma doença benigna, crónica, não tem cura, mas tem tratamento" que, acima de tudo, "deve ser personalizado / individualizado, tendo em conta as queixas da mulher, mas também outros fatores como grau de progressão da doença, idade, desejo reprodutivo e outras crenças que a doente possa ter", afirma Miguel Brito.

O tratamento pode ser dividido em duas grandes vertentes: a médica e a cirúrgica.

Através de medicação "é possível tratar a endometriose, permitindo controlar a doença nos estadios iniciais e até em estadios moderados. A terapêutica hormonal - a pílula, os anticoncetivos orais combinados ou outra forma de administração - permite um controlo muito equilibrado na maior parte das situações, muitas vezes associada a medicamentos anti-inflamatórios para controlar alguns períodos de dor. Há outro tratamento, que pode ser via oral ou injetável, que permite bloquear a menstruação durante um período de tempo largo - seja de três meses, nove meses -, fazendo com que a doença permaneça controlada durante esse tempo", explica Rui Viana. Miguel Brito acrescenta ainda que pode fazer sentido complementar o tratamento farmacológico com "alterações dos hábitos nutricionais, que pode trazer bons resultados em mulheres que têm sintomas intestinais, assim como com a fisioterapia, sobretudo do soalho pélvico".

"Situações em que não se consegue o controlo ou casos mais extensos podem necessitar mesmo de tratamento cirúrgico", alerta Rui Viana.

 

A cirurgia no tratamento da endometriose

"A cirurgia da endometriose é uma intervenção desafiante, com um nível técnico alto e que, portanto, requer uma equipa de cirurgiões diferenciados nessa área", sublinha Miguel Brito.

A via de abordagem que atualmente se privilegia é a cirurgia minimamente invasiva. De acordo com Rui Viana, esta tem várias vantagens para a doente comparativamente à cirurgia convencional: é menos invasiva, permite melhor e mais rápida recuperação, menos complicações potenciais e menor risco de infeção e de hemorragia. No caso específico da endometriose, "o uso do material ótico e das óticas de grande ampliação, permite ver a pélvis com um poder de amplificação muito grande e identificar lesões que por via aberta são muito difíceis de detetar. A cirurgia robótica vem trazer um acréscimo de definição e de minúcia cirúrgica, que permite ao cirurgião um desempenho bom neste tipo de doença", refere.

 

Fertilidade e endometriose

"A endometriose envolve cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva, temos aqui um universo enorme de mulheres com endometriose. E também sabemos que, dos 60% de mulheres com infertilidade, a causa que está por base é a endometriose", afirma Rui Viana. De acordo com Miguel Brito, a explicação prende-se com o facto de "os orgãos mais afetados pela endometriose serem precisamente os do aparelho reprodutor feminino - a vagina, os ovários, as trompas. Estando eles afetados desta forma, a função reprodutora está completamente alterada". A boa notícia é que "tratar esta doença permite com alguma frequência o tratamento de situações que estão por si só relacionados com infertilidade", salvaguarda Rui Viana, esclarecendo que, "sendo uma doença inflamatória, provoca alterações anatómicas pélvicas, alterações das trompas, da permeabilidade das trompas, alterações do próprio útero e do endométrio, comprometendo a implantação do embrião a nível endometrial. O controlo da doença naturalmente melhorará o potencial fértil da mulher e em algumas situações consegue-se resolver a infertilidade e ter uma gravidez de sucesso".

 

O que dizem os estudos sobre a endometriose

Dois artigos recentes, de 2021, estão a alterar o paradigma da endometriose. Se até então tem sido considerada uma doença orgânica pélvica ou extrapélvica, estes estudos defendem que se trata de uma doença sistémica, afirma Miguel Brito, explicando que "isto vai ser muito importante para percebermos a endometriose nos próximos anos. Segundo estes últimos artigos, a endometriose, os produtos da inflamação produzidos pela doença e os mediadores inflamatórios atingem o fígado e o tecido adiposo por via sanguínea. Com isso, consegue mediar uma inflamação sistémica a todos os níveis. Talvez por isso haja até alterações neurossensoriais na perceção da dor e nos próprios estados de humor da mulher. Em parte, isto acaba por explicar porque é que a mulher com endometriose sofre de ansiedade e tem provavelmente uma perceção da dor diferente das outras mulheres".

Publicado a 14/05/2021