A saúde mental em idades mais avançadas

As patologias psicológicas e psiquiátricas acompanham o ser humano ao longo de toda a vida. No entanto, em idades mais avançadas, o processo de envelhecimento e a coexistência de outras doenças exigem uma atenção redobrada para garantir que o diagnóstico e a abordagem são os mais acertados. 

De acordo com Elsa Lara, Coordenadora de Psiquiatria no Hospital CUF Tejo, as patologias psiquiátricas mais comuns na velhice são as perturbações depressivas, as ansiedades relacionadas com doenças (o que anteriormente se designava como hipocondria), a ansiedade geral e a deterioração cognitiva. “No que respeita à sobreposição da deterioração cognitiva com a depressão, é necessário estabelecer-se um diagnóstico diferencial no sentido de perceber se é primariamente um quadro depressivo ou um quadro de deterioração cognitiva, e isso passa por perceber quais as comorbilidades e patologias associadas, e se são fatores de agravamento e/ou de precipitação do quadro”, alerta a especialista

Elsa Lara

As doenças neurológicas estão entre as principais comorbilidades para a doença mental entre os seniores, o que implica uma colaboração estreita entre especialidades. “As relações de proximidade entre Neurologia e Psiquiatria são absolutamente necessárias”, sublinha Elsa Lara. 

São sobretudo os quadros de depressão e de defeito cognitivo ligeiro que na idade avançada mais exigem o diagnóstico diferencial com outras patologias, tais como as doenças neuro-degenerativas ou as doenças metabólicas e cardiovasculares. Sendo assim, como não é fácil determinar o que se passa numa primeira consulta, é quase sempre necessário proceder a vários exames de diagnóstico: exames de imagem do cérebro, avaliação neuropsicológica e doseamento de vitaminas. Por exemplo, nas idades avançadas, os casos de depressão podem ser facilmente confundidos com um quadro demencial. “Há que tratar a depressão associada à deterioração cognitiva, pois nestes casos esta pode ter uma característica especial, sendo reversível mediante instituição de terapêutica adequada com antidepressivos. Afinal o que existe é uma pseudo-demência.”, explica Elsa Lara. Uma vez instituída uma terapêutica com antidepressivos há que esperar pelo efeito terapêutico, que pode demorar semanas até ocorrer. Nestes casos, a abordagem clínica em grande proximidade entre a psiquiatria, a neuropsicologia e a neurologia é fundamental, afirma a Coordenadora de Psiquiatria do Hospital CUF Tejo.

A prática regular de atividade física é recomendada para a manutenção de uma boa saúde mental em idades mais avançadas.

Não obstante, é possível viver muito tempo com boa saúde mental. Para o conseguir, há que manter a estimulação cognitiva, apostar na vida social e, muito importante, contar com o afeto dos mais próximos. A estas recomendações, Rui Araújo, Neurologista no Hospital CUF Porto, acrescenta a manutenção de rotinas prazerosas que impliquem a participação ativa do idoso. A aposta no bem-estar físico é outra das “dicas” partilhadas pelo Neurologista. “Cada vez mais, sabemos que o exercício físico se traduz em ganhos cognitivos. E se forem pessoas com fatores de risco que contribuam para lesão cerebral, há que os reduzir ao máximo: garantir que a tensão está controlada, que não há uma descompensação da diabetes, que estão hidratados. Tudo o que mantenha o corpo saudável vai ter repercussões em termos cerebrais.”

Rui Araújo

Existe uma relação bidirecional entre doenças do foro neurológico e do foro psiquiátrico a que os neurologistas estão particularmente atentos. “Sabemos que as doenças degenerativas, como o Alzheimer ou a demência vascular, têm em si alterações do foro psicológico e psiquiátrico. Os doentes têm muitas vezes quadros de apatia, irritabilidade, agressividade, alteração do comportamento e alteração do sono. Por outro lado, sabemos que os doentes com síndromas depressivos crónicos mantidos durante muito tempo podem originar alterações do raciocínio e da memória muito semelhantes à demência”, refere Rui Araújo.

No entanto, nem todas as “falhas de memória” estão associadas a demência. “Muitas vezes, as pessoas falam de perda de memória quando não se lembram de onde pousaram as chaves em casa. Isso não é um defeito de memória, mas sim de atenção e concentração, porque grande parte do nosso dia a dia é feito de forma automática”, explica o Neurologista, acrescentando que, em fases de maior preocupação, é natural que estes defeitos de atenção tendam a agravar-se. “É o equivalente a termos o computador com dez janelas abertas em três browsers diferentes. É óbvio que vai haver uma que vai escapar e, no global, o processador vai ficar cada vez mais lento."

"Nunca como agora a Neuropsiquiatria foi tão chamada"

A relação próxima que várias patologias psiquiátricas têm com doenças neurológicas confere à Neuropsiquiatria um caráter essencial na abordagem de umas e outras. Como lembra Susana Sousa Almeida, Psiquiatra e Coordenadora da Unidade de Neuropsiquiatria do Hospital CUF Porto, condições como a esclerose múltipla, parkinson, traumatismos cranianos, tumores cerebrais ou acidentes vasculares cerebrais (AVC) podem desencadear problemas psiquiátricos. “A esclerose múltipla decorre muito frequentemente com perturbações afetivas”, exemplifica. De notar, também que “as demências em fase avançada são, com frequência, complicadas por sintomas comportamentais e neuropsiquiátricos, como a agitação, as alterações do sono ou alucinações ou delírios, com intervenção necessária da psiquiatria ou neuropsiquiatria”.

Susana Sousa Almeida

“Muitos doentes que saem das unidades de cuidados intensivos podem ter como complicação uma perturbação de stresse pós-traumático. Vemos isso, atualmente, em internamentos pós-COVID-19. Nunca como agora a Neuropsiquiatria foi tão chamada.” Ao atuar na interceção das doenças físicas e psiquiátricas, a consulta de Neuropsiquiatria pode ser determinante para uma melhoria do estado global de saúde. “Se o doente estiver com  depressão e um problema físico – seja este uma doença oncológica ou uma doença neurológica, por exemplo, – a depressão pode comprometer os resultados desejáveis dos tratamentos. Isto porque o doente deprimido desinveste do seu auto-cuidado e dos seus tratamentos e pode piorar o prognóstico de qualquer doença se a depressão não for tratada devidamente”, explica Susana Sousa Almeida. “O nosso desafio primordial é não só identificar e referenciar precocemente estes doentes, mas também fazer com que, com o tratamento da depressão, o doente possa estar mais capacitado para tratar a sua doença original.”

 

 

Fotografias de Miguel Proença (4SEE)

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Publicado a 07/03/2022
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