A saúde mental numa sociedade em mudança

Garantir uma boa saúde mental é essencial para manter a qualidade de vida e enfrentar com sucesso os desafios de uma sociedade em constante renovação. Contudo, o estigma e o preconceito, aliados à ainda relativa falta de informação, levam muitas vezes ao adiamento ou mesmo à recusa da procura de cuidados especializados. Saiba o que fazer para cuidar melhor da sua mente.

Uma boa saúde mental é indissociável de um bom estado geral de saúde. E, no entanto, o último grande estudo epidemiológico realizado em Portugal, publicado em 2014, revelava que um em cada cinco portugueses sofre de depressão ou ansiedade, o que nos coloca no segundo lugar dos países europeus no que toca a este tipo de perturbações. O mesmo estudo indicava também que, na sua maioria, os portugueses não sabem onde procurar ajuda para lidar com os seus problemas de saúde mental.

Os últimos dois anos de pandemia tiveram um duplo impacto neste campo. Por um lado, assistiu-se a um crescimento do sofrimento psicológico e dos quadros depressivos e ansiosos. Por outro, a saúde mental passou a estar na ordem do dia, deixando claro que a doença mental é algo a que ninguém é imune e reforçando a necessidade de aumentar os cuidados e as estratégias que garantam um maior equilíbrio psicológico da população.

Se é verdade que a patologia mental é mais comum do que à partida se imagina – de acordo com a Sociedade de Psiquiatria e Saúde Mental, 22,9% dos portugueses, ou seja, mais de um quinto da população, sofre de uma perturbação psiquiátrica –, também é um facto que existem hoje respostas diferenciadas do ponto de vista clínico e terapêutico para fazer face a estas maleitas e garantir a qualidade de vida dos doentes. Veja-se o exemplo da CUF, que tem vindo a reforçar a sua aposta no tratamento da saúde mental e conta já com uma rede de mais de 100 psicólogos e mais de 90 psiquiatras e pedopsiquiatras que permite um acompanhamento completo e multidisciplinar, seja qual for a idade.

A importância de zelar diariamente pela saúde mental

“A saúde mental não se conquista quando a pessoa se apercebe de que tem um problema. É claro que, nessa altura, é fundamental procurar ajuda, mas a conquista da saúde mental deve ser um objetivo diário”, afirma Marco Torrado, Coordenador de Psicologia no Hospital CUF Tejo, para quem as relações afetivas significativas (aquelas que conferem sentimentos de segurança, pertença e bem-estar) são o pilar da saúde mental. E salienta que a saúde mental não está dissociada da saúde física, porque não há saúde sem saúde mental. “Ainda existe a perceção de que a saúde psicológica é uma coisa um bocadinho à parte da saúde física, mas sabemos que a saúde psicológica é uma parte importantíssima da saúde global.

Marco Torrado

De acordo com o especialista, ainda existe pouca literacia no que à saúde mental diz respeito. Um fenómeno transversal e especialmente preocupante na forma como afeta a perceção que as pessoas têm do que são simples fragilidades e do que são mesmo perturbações mentais. “As pessoas, por vezes, não valorizam sintomas que se vão arrastando no tempo e tendem a procurar ajuda apenas quando já se verificam impactos muito significativos ao nível da sua capacidade de funcionar em termos psicossociais – por exemplo, no trabalho, no registo académico, no seio da família.” Esta convicção de Marco Torrado é secundada por Beatriz Ruivo Lourenço, Psiquiatra na Clínica CUF Almada, que cita o pré-mencionado estudo epidemiológico de 2014. “O estudo mostrou uma lacuna no tratamento de problemas mentaispreocupante”, explica a médica. 

Para Beatriz Ruivo Lourenço, o protelar da procura de apoio especializado pode ser parcialmente explicado por fatores sistémicos, mas também tem muito que ver com o estigma que ainda está associado às doenças psiquiátricas. “Na tentativa de não serem rotuladas como sofredoras de doença mental, as pessoas evitam procurar ajuda ou abandonam o acompanhamento de forma precoce. Por sua vez, este atraso na procura acaba por condicionar doenças mais graves."

Beatriz Ruivo Lourenço

Segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, as patologias do foro psicológico e psiquiátrico representam 11,8% da carga global das doenças, ultrapassando até as doenças oncológicas. Não há dados objetivos que expliquem esta realidade. “A depressão e a ansiedade são, dentro das perturbações psiquiátricas, das que têm uma componente mais preponderante de fatores ambientais e sociais”, afirma a Psiquiatra. Isto significa que, em sociedades mais desiguais e com maiores níveis de pobreza, existem à partida mais fatores que podem causar sofrimento psicológico.

As perturbações de ansiedade e de humor são as patologias mais comuns no campo da saúde mental, com uma prevalência respetiva de 16,5 e 7,9%. Marco Torrado aponta-as como o principal motivo dos pedidos de ajuda que surgem em consulta. A estas juntam-se outras, como perturbações relacionadas com vivências de stresse crónico ou dificuldades de ajustamento a acontecimentos de vida significativos, como desemprego, um diagnóstico de doença grave ou a perda de um familiar.

A quem se destina, então, uma consulta de psicologia? “As consultas de psicologia destinam-se a pessoas com sinais de desconforto, mal-estar emocional, dificuldade em gerir aspetos da sua vida familiar ou profissional, dificuldades de relacionamento interpessoal ou dificuldades de adaptação a múltiplas doenças. Isto é aplicável tanto a adultos como a crianças e adolescentes”, esclarece Marco Torrado. A estas juntam-se pessoas com comportamentos aditivos, nomeadamente casos de dependência sem substância – por exemplo, dependência de redes sociais ou jogo online, os quais têm vindo a aumentar nos últimos anos, também devido às mudanças provocadas pela pandemia. “Os aspetos relacionados com o afastamento social, perda de pessoas e adaptação a múltiplos contextos de trabalho levaram ao incremento de comportamentos aditivos”, refere o Coordenador de Psicologia do Hospital CUF Tejo, para quem o principal objetivo das consultas é ajudar os indivíduos a ajustarem a sua forma de funcionar de um modo que seja compatível com a sua qualidade de vida e com o seu bem-estar psicológico. No Hospital CUF Tejo desenvolvemos esse trabalho, não só no contexto do serviço de Psicologia, em conjunto com o de Psiquiatria e demais Neurociências, mas também em articulação com as especialidades pediátricas, nomeadamente Pedopsiquiatria, Neuropediatria ou ainda no apoio aos doentes internados, casos em que a Psicologia pretende atuar em articulação com a Oncologia, a Medicina Interna, a Endocrinologia, e vice-versa.”

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Publicado a 07/03/2022
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Saúde Mental