Dor no coração na criança

A principal causa que leva os pais a uma consulta de cardiologia pediátrica é o facto de o médico assistente dizer que a criança tem um sopro. Logo a seguir são as dores no peito, a “dor no coração”.

 

Em geral trata-se de um rapaz, pré-adolescente magro, desportista e saudável, bom aluno e um pouco ansioso. A dor é real, aguda, tipo pontada, localizada ao centro do peito, sobre o esterno. É uma dor moderada e que muitas vezes dificulta a inspiração, daí que também é referida “falta de ar”. Costuma durar poucos minutos e depressa passa, assim como veio. Não costuma haver alterações do ritmo cardíaco, a não ser alguma taquicardia, porque a criança se assusta e fica ansiosa. A dor pode surgir quer durante o exercício físico, quer em repouso.

 

Esta dor é músculo-esquelética e tem origem nas articulações entre o esterno e as costelas.

O exercício físico intenso, como nadar, andar de bicicleta, ou outros (mochilas...), pode causar este tipo de dor. Os defeitos de posição, como sentar-se mal, ou dormir em más posições, podem facilitar esta dor.

 

Esta é a “dor no coração” de longe a mais frequente. Uma vez que a criança toma consciência da realidade, aprende a lidar com esta dor, deixa de se assustar, e a sua vida continua... Mas se quiser, tem aqui um bom motivo que pode render algumas contrapartidas.

Por vezes, as articulações em causa podem mesmo inflamar e levar a uma dor recorrente, podendo haver necessidade de tratamento com anti-inflamatórios.

 

Mas no peito há mais coisas que podem doer; felizmente são muito mais raras. A pele pode doer, mas na criança costuma ver-se a lesão que causa a dor. Os músculos podem doer, sobretudo se pouco treinados e sujeitos a um esforço excessivo.

 

Dentro do peito há dois sacos membranosos que podem doer: um que envolve os pulmões, a pleura, e outro que envolve o coração, o pericárdio.

São compostos por duas camadas, entre as quais existe um pouco de líquido lubrificante, para evitar que estes órgãos se magoem, pois estão permanentemente em movimento.

A pleura pode doer, mas em geral isto acontece num contexto infecioso pulmonar, com febre, tosse e dificuldade em respirar. As pneumonias são a causa mais frequente deste tipo de dor, mais frequente à direita.

O pericárdio quando inflamado, por certas doenças em geral virais, também dói, uma dor compressiva e constante, que não passa facilmente.

 

O coração dói, em particular o músculo cardíaco.

Os adultos que tiveram enfarte ou angina de peito, sabem como essa dor é forte e angustiante. Em geral existem problemas com as artérias coronárias, que irrigam e alimentam o coração, que, ao entupirem, fazem sofrer o músculo cardíaco. A idade, certas doenças (diabetes, colesterol alto, hipertensão arterial) e outros fatores, em particular o tabaco, são os principais agentes.

 

Na criança estes fatores não existem, no entanto há situações raríssimas que podem fazer doer o coração nos mais jovens. São anomalias congénitas das artérias coronárias. A dor aparece sempre e só no esforço físico, tipicamente, ou no bebé que chora, fica pálido e suado sempre que chupa o biberão, ou no adolescente que tem dor forte no peito, por vezes com arritmia cardíaca, quando pratica desporto. Estas situações são muito raras, mas sérias e exigem uma abordagem cuidada.

 

O aparelho digestivo também pode simular dor no peito, mas em geral as esofagites, hérnias do hiato dão mais dor nas costas. Muito ar no cólon ou no estômago, pode dar desconforto na parte inferior do peito.

 

Falámos de dor no peito em crianças saudáveis. Há crianças com doenças crónicas, quer generalizadas, quer localizadas ao próprio coração ou aos pulmões, que podem ter dor no peito. Estas situações, uma vez identificadas, são discutidas com o médico assistente e os pais, que ficam assim mais esclarecidos das complicações que a doença do seu filho pode dar.

 

Concluindo

A dor no peito, de longe a mais frequente, é uma dor tipo músculo esquelética, benigna, cujo tratamento principal consiste em acalmar e dar segurança à criança, ensinando-a a lidar com esse tipo de dor. Dê-se-lhe atenção, mesmo (ou sobretudo) sendo só isso o que ele quer.

Isto também dá uma certa segurança aos pais. Não cabe aqui aos pais lembrarem-se dos seus pais, que faleceram por causa do coração. Quase de certeza não é isso que se passa com os seus filhos, enquanto não forem avós.

Fica um “quase” que compete ao médico assistente resolver como abordar, se o estudo passa pelo cardiologista pediátrico ou não. Não devem ser os pais a decidir isso e a levar logo a criança “com dor no coração” ao cardiologista pediátrico, ou mesmo às urgências.  A criança tem um médico que a conhece, e deve ser ele a decidir o que fazer e como fazer.

Há tempo para resolver as coisas da melhor maneira.

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