Consultas de Pediatria regulares: o que saber?
A Pediatria segue a criança do nascimento ao fim da adolescência. Ana Marques e Marta Albuquerque Pinto, pediatras CUF, explicam o que muda no acompanhamento.
O acompanhamento médico das crianças por um pediatra é mais frequente nos primeiros meses e anos de vida, mas poderá estender-se até aos 18 anos. Para Ana Marques, pediatra CUF, as consultas anuais das crianças permitem “acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento” e identificar “algumas doenças que possam afetar o seu bem-estar e saúde em geral”. Na adolescência o mesmo mantém-se mas com outras particularidades, tendo em conta a ocorrência de “alterações rápidas e fundamentais de ordem física, cognitiva e psicossocial”, relembra a pediatra Marta Albuquerque Pinto. Nesta faixa etária a “consulta constitui uma oportunidade de promoção de saúde bem como um momento importante para identificar adolescentes e jovens em risco”.
Como é um plano normal de consultas de Pediatria?
“O bebé deve fazer a sua primeira consulta de Pediatria precocemente, entre a primeira e a segunda semana de vida”, explica Ana Marques. Esse primeiro contacto serve para avaliar desde logo “o bem-estar do bebé, o seu crescimento, a sua progressão ponderal, como está a decorrer a amamentação e a adaptação em casa”. Isso tem mais peso ainda “nos pais de primeira viagem”, que têm frequentemente “dúvidas sobre a suplementação vitamínica, sobre a vacinação e sobre alguns sinais de alerta a que devem estar atentos”.
Depois, o plano definido pela Direção-Geral da Saúde inclui “uma consulta de vigilância ao primeiro mês, ao segundo mês, ao quarto mês, ao sexto mês, ao nono mês e aos 12 meses”, enumera Ana Marques. Após o primeiro ano há mais duas consultas trimestrais, aos 15 e aos 18 meses, e uma consulta semestral aos 24 meses. É a partir dos dois anos que o acompanhamento pediátrico passa a ser anual.
Ana Marques reforça que “todo o pediatra tem competências para acompanhar uma criança desde os 0 aos 18 anos de idade”, não obstante a intervenção de subespecialidades dentro da Pediatria. No caso de crianças prematuras, ou que tenham estado em unidades de cuidados intensivos, por alguma doença, “vão precisar do acompanhamento de um neonatologista, nos primeiros anos de vida”. Outras crianças, mediante as necessidades, podem ter de ser “acompanhadas por outras subespecialidades dentro da Pediatria, como Endocrinologia Pediátrica, Gastrenterologia Pediátrica ou Neurologia Pediátrica, entre outras”, indica a pediatra CUF.
Em que outros momentos se deve consultar o pediatra?
Alterações profundas no dia a dia e estilo de vida, como a mudança de escola, são um motivo importante para consultar o pediatra. “Antes de a criança ingressar na escola ou no infantário deve ser avaliado o seu bem-estar, o seu estado de saúde geral, e o seu crescimento e desenvolvimento, e tentar identificar alguns problemas que possam afetar de forma negativa a sua adaptação à escola e o seu percurso de aprendizagem”, afirma Ana Marques. A pediatra indica que “deve ser aferida a sua acuidade auditiva e visual” e que “é muito importante verificar o estado vacinal da criança, até porque muitas escolas exigem a atualização do plano de vacinas para haver um ambiente protetor e saudável para todas as crianças”.
A que sinais devem os pais estar atentos?
O conhecimento que os pais ou cuidadores têm da criança é fundamental para detetar algum problema, entende Ana Marques. “Antes de tudo, os pais devem confiar no seu instinto. Conhecem o seu filho, sabem os seus hábitos de comportamento, de alimentação, de sono, a maneira como brinca, como interage com os outros”, refere a pediatra. Portanto, “quando notam que alguma coisa está diferente, que não está bem, mesmo que não consigam identificar esse problema, devem procurar ajuda”.
Ana Marques aponta como sinais clássicos de doença a “febre persistente, elevada, difícil de ceder, acompanhada sobretudo de irritabilidade, de letargia, de alterações de comportamento”, principalmente nos bebés com menos de três meses, para os quais “não devemos esperar alguns dias de febre, a ver se passa”. Outro sinal é a dificuldade respiratória: “Uma criança que esteja a respirar muito rapidamente, com pieira, o chamado chiado, ou com uma coloração arroxeada das mucosas, está com dificuldade em respirar e também deve ser observada”.
A pediatra destaca ainda “as alterações de comportamento”. Mesmo que não tenha febre, “a criança que brinca menos, que está mais letárgica, que tem dificuldade em acordar, deve ser vista”. A falta de hidratação é outro sinal a ter em conta, como por exemplo “uma diarreia profusa, acompanhada por sinais de desidratação, que por sua vez são a ausência de lágrimas, ausência de micções, sobretudo nas crianças mais pequenas, que desidratam mais facilmente”.
Também o trauma, especialmente quando provoca vómitos e outras alterações, ou a ingestão de substâncias tóxicas, deve inspirar cuidados. “Uma criança com uma queimadura, com uma ingestão involuntária de algum fármaco, de algum detergente ou intoxicada, tem de ser rapidamente observada”, explica Ana Marques, que lembra a importância de não descurar a dor. Para a pediatra, “qualquer dor, seja em que localização for, seja dor de cabeça, dor de barriga, uma dor num braço, numa perna... que seja persistente, constante, que não passa com as medidas habituais de analgesia ou com uma massagem local, deve ser também observada, porque pode ser sinal de alguma infeção, de algum trauma ou de alguma doença mais grave”.
Como é o seguimento pediátrico na adolescência?
O início da adolescência é um processo gradual e os primeiros sinais de que a criança está a entrar nessa fase podem variar de um indivíduo para o outro e em ambos os sexos, surgindo mais precoce ou tardiamente, como explica Marta Albuquerque Pinto. Entre os sinais precoces mais comuns destacam-se “no sexo feminino: o aparecimento do botão mamário e posteriormente o aumento do volume da mama; e no sexo masculino: o aumento testicular, a presença de pelos a nível da face e também a mudança de voz”. Comum a ambos os sexos há a salientar “a presença de pelos axilares, o surgimento de pelos na região púbica e ainda um aumento da sudorese, que leva a um odor mais intenso”.
Durante esta fase destacam-se também os surtos de crescimento rápido que se caracterizam pela presença de mudanças nas proporções corporais, nomeadamente o aumento da percentagem de massa gorda no sexo feminino, a par com o alargamento da bacia, e a diminuição da percentagem de massa gorda no sexo masculino, em que há, em contrapartida, um aumento mais marcado da massa muscular.
Todas estas alterações físicas são desencadeadas por mudanças hormonais que não só têm impacto a nível físico, como potenciam algumas doenças como a acne, com influência direta na autoimagem e determinam alterações de humor e instabilidade emocional. “Estas mudanças surgem por vezes tão rapidamente que acabam por não ser acompanhadas num mesmo ritmo pela maturidade psicológica / emocional e por este motivo nem sempre encaradas de forma pacífica”, reforça a pediatra.
Nesta fase é observada uma grande necessidade de autoafirmação, independência e desejo de maior autonomia, que acabam por contrastar por vezes com momentos de grande ansiedade, medo, dúvidas face ao futuro, à sua identidade, aos seus valores e crenças. “É um período confuso e desafiador, sendo essencial o apoio cuidado e atento de pais, cuidadores e profissionais de saúde, para que esta fase seja encarada de forma pacífica”, afirma Marta Albuquerque Pinto.
O que procura o pediatra nas consultas de adolescentes?
Marta Albuquerque Pinto explica que “o adolescente é, regra geral, um indivíduo saudável, que recorre pouco à consulta. No entanto, apesar de todas as patologias características desta faixa etária, a prevalência de patologia de ordem psíquica é elevada, daí que, independentemente do motivo que o leva à consulta, devemos aproveitar este momento para promoção de saúde e, por outro lado, para estabelecermos algum vínculo com o mesmo”. A pediatra refere que “há determinados assuntos que o vão deixar desconfortável”, como a sexualidade, os consumos, mudanças físicas ou a autoimagem, contudo “se o adolescente conhecer o médico, médico este que o acompanha desde criança, como o seu pediatra, irá sentir-se menos vulnerável e mais à vontade para expor todas as suas preocupações, dúvidas e incertezas face a esta nova fase”. Segundo a pediatra “é muito comum o adolescente pedir para que os cuidadores, nomeadamente os pais, se retirem para conseguirem partilhar alguns assuntos que lhes causam maior dúvida ou angústia”.
Quais os sinais de alerta para pediatras e pais?
“Devemos tentar chegar ao ponto de identificar alguns sinais fundamentais que nos ajudem a sinalizar adolescentes e jovens em risco”, avança a pediatra, “para isso torna-se fundamental estarmos presentes nesta fase, próximos dos adolescentes, muito atentos e não descurar pedidos de ajuda ainda que surjam de forma discreta ou indireta”. Marta Albuquerque Pinto lembra que “todos os adolescentes vão passar por estas mudanças até atingirem a fase adulta e é fundamental que o percebam, que não se sintam isolados e sozinhos e que consigam vivenciar este período de uma forma mais harmoniosa e tranquila, podendo assim contrapor o aumento da incidência de doença psíquica nesta faixa etária”.
Relativamente aos fatores de risco, os pais e cuidadores, e mesmo os próprios profissionais de saúde, deverão estar atentos a “mudanças repentinas de comportamentos, mudanças drásticas de humor, atitudes e interesses”. Outros sinais são o “declínio no desempenho escolar, o isolamento de amigos e familiares bem como a perda de interesse em atividades sociais de que antes gostava, o consumo de tabaco, de álcool, entre outras substâncias, de uma forma regular ou crónica, pode alertar para um período mais difícil”.
Marta Albuquerque Pinto reforça ainda que devemos “estar atentos à presença de lesões que sugiram automutilação ou atividades de risco (traumatismos dificilmente explicados) bem como verbalização de ideação suicida. Suspeitando de algum destes contextos é crucial abordar a situação com cuidado e preocupação. A comunicação, a compreensão e a procura de ajuda profissional, se necessário, podem fazer a diferença na abordagem e no apoio ao adolescente em tempos difíceis”.