Prematuridade: um mundo desconhecido

A história das gémeas Maria Luísa e Maria Vitória

Maria Sofia Falé e o marido esperavam o nascimento das gémeas em setembro deste ano, mas na ecografia das 33 semanas, o aniversário das bebés passaria a ser comemorado noutro dia.

 

No dia 21 de julho de 2021, íamos apenas fazer a ecografia gemelar das 33 semanas, mas tudo mudou. Não nos esquecemos das palavras da Dra. Ana Patrícia, “estas crianças estão a querer pré nascer” e muito menos das do Dr. Rui “aqui ou noutro sítio as bebés têm de nascer hoje e vão precisar de cuidados da neonatologia”. E estavam mesmo a querer nascer. Não cresciam. O seu único cordão umbilical não as estava a nutrir devidamente.

Até hoje, acho que aquela hora foi a mais difícil para mim como mãe. Saber que elas tinham apenas cerca de 1.700kg e que para o bem delas teriam de nascer e ficar hospitalizadas.

Muito se fala da maternidade no mundo social e digital, mas raramente se fala sobre os cuidados a ter com bebés prematuros. 

"O mundo da prematuridade era-nos completamente desconhecido"

O parto

Aprendemos que a prematuridade começa no parto. Logo ali estavam duas enfermeiras da neonatologia para receber as nossas bebés. O parto correu muito bem e sinto que tive o parto que tinha de ter. Sem irrealismos nem contos de fadas, elas nasceram de forma rápida e segura e eu estava bem.

Assim que nasceram foram levadas para avaliarem as condições de cada uma e só minutos depois conheci as bebés. Não me vou esquecer nunca da imagem de ver as enfermeiras a chegar com as nossas bebés. A Enf.ª Sofia, de toca florida, vinha com a Maria Luísa, a gémea 2, e a Enf.ª Cláudia, de óculos, vinha com a Maria Vitória, a gémea 1. Elas eram tão pequeninas, mas tão perfeitinhas e eu tive a certeza que estava no sítio certo, com as pessoas certas.

 

"Senti segurança e apoio. Sabia que naquele momento podiam fazer mais por elas do que nós e é esse o foco que os pais de bebés prematuros devem ter."

 

bébes gémeas prematuras

Os primeiros dias

Quem tem bebés prematuros, passa pelo recobro sem bebé. Ouve o choro dos bebés vizinhos, mas não ouve o do seu. Ninguém nos prepara para isso. Não sei o que seria de mim se tenho de passar aquela noite sem o pai. Estava exausta, mas não consegui pregar olho. Éramos um casal sem filhas na primeira noite de vida delas. 

Quem tem bebés prematuros, tem de estar preparado para ver o filho através de vidros, ligado a mil fios que não entende para que servem, mesmo que expliquem cinquenta vezes.

A mãe de bebés prematuros terá alta hospitalar, mas não leva o seu filho consigo. Tem a subida do leite sem bebé. Se optar por amamentar, tem de fazer a estimulação do leite materno com a bomba e o bebé até pode beber o leite da mãe, mas muito provavelmente nos primeiros tempos terá de ingeri-lo por uma sonda, porque a sua capacidade de sucção ainda não está suficientemente desenvolvida. 

Os primeiros 16 dias de vida das nossas filhas gémeas passaram-se na Unidade de Cuidados Especiais ao Recém Nascido (UCERN) do Hospital CUF Descobertas. Todos os dias. Sem falhar um. Numa rotina altamente exigente e preventiva tendo em conta o bem-estar dos frágeis "inquilinos" que por lá habitam.

 

jovem mãe com filhas gémeas prematuras ao colo

Viver a prematuridade no contexto atual

Ter um bebé prematuro no contexto atual significa também passar todos os dias pelas rígidas e necessárias regras de segurança e higiene exigidas pela unidade. Todos os dias a mesma rotina de “despe e veste”, completamente necessária, mas ao mesmo tempo, altamente impessoal e cansativa.

As nossas filhas conheceram-nos de máscara e não sei se algum dia reconheceremos na rua a equipa fantástica que nos acolheu e ajudou durante o tempo que estivemos na unidade, nunca lhes vimos os sorrisos tapados pela máscara. Vicissitudes dos tempos que correm. 

Apesar disso, naqueles dias aprendemos tudo com o maior amor e humor possível. Aprendemos o que não sabíamos e até o que achávamos que sabíamos sobre como cuidar de bebés. Felizmente as nossas filhas ganharam depressa autonomia respiratória e os dias foram passados de forma mais tranquila a obter forças e autonomia na alimentação.

jovem pai com filhas gémeas prematuras ao colo

Os cuidados na Neonatologia

Para as nossas bebés prematuras foi na neonatologia que aconteceu o primeiro banho, o primeiro colo da mãe e do pai, o primeiro biberon, o primeiro contacto pele com pele. Foi lá que as nossas bebés aprenderam a mamar e que eu aprendi como as poderia ajudar a fazê-lo. Foi lá que nos ajudaram a criar rotinas e organização para quando chegássemos a casa. Muitas vezes de regresso a casa o pai dizia “Custa-me mais ir de manhã com a ansiedade de vê-las bem do que vir embora ao final do dia. Venho descansado."

No dia da alta há um misto de sentimentos e chegar a casa com duas bebés prematuras é um momento muito frágil. As nossas bebés estavam habituadas a outra casa, a outras pessoas, a outros cheiros e sons. É como começar tudo de novo.

Quando se está na neonatologia só se quer ir para casa, quando se chega a casa, só se pensa em voltar para a neonatologia, tais são as dúvidas e os medos. Na primeira semana em casa a equipa da unidade ligava-nos diariamente para esclarecer dúvidas e saber como estava a correr. Esse apoio foi fundamental para nos dar o último empurrão de confiança que precisávamos. E tudo melhora. Dia após dia, semana após semana, tudo melhora.

Na UCERN aprendemos que não há horas boas nem horas más, porque a equipa está lá sempre para os nossos bebés. É naqueles rostos que diariamente os pais depositam a esperança de dias melhores. 

Marcou-nos muito aquele período. Falamos muito dessa fase e recordamos com carinho cada pessoa, cada etapa atingida e tudo o que passámos e aprendemos por lá.

jovem casal com filhas gémeas prematuras no exterior do hospital

Aos pais que venham a ter bebés prematuros

Acreditem nos vossos bebés, sejam positivos, confiantes e o principal, confiem e aprendam com a equipa que está a tratar deles. Apesar de serem nossos filhos, os técnicos de saúde da neonatologia sabem melhor que ninguém o que é o melhor para a saúde dos nossos bebés. 

Agradecemos do fundo do coração, todo o carinho e atenção que os médicos, enfermeiros, estagiários e auxiliares nos deram na UCERN do Hospital CUF Descobertas. De um profissionalismo exímio, mas acima de tudo de uma simpatia, colaboração e votos de esperança constantes. A UCERN foi a nossa casa durante 16 dias, faz parte da nossa história e será sempre o primeiro lar das nossas filhas gémeas. 

 

Maria Sofia Falé 

Alenquer, 17 de novembro de 2021

jovem mãe a beijar as mãos de bebé