Quando comer deixa de ser um prazer
A dificuldade em engolir pode levar a complicações graves. Maria Caçador, médica da Unidade da Voz e Deglutição CUF, explica a que sintomas deve estar atento.
Comer é essencial para a nossa sobrevivência e um dos maiores prazeres da espécie humana.
A deglutição é a função fisiológica de engolir, que permite que os alimentos sejam transportados, de forma segura, da boca até ao estômago. É um mecanismo extremamente complexo, em grande parte involuntário, que implica uma coordenação neuromuscular (coordenação entre os nervos e os músculos) muito exigente.
As alterações da deglutição traduzem-se clinicamente por disfagia (dificuldade em engolir).
Como é que engolimos?
Durante a deglutição é necessário transportar o bolo alimentar até ao estômago de forma segura, ou seja, sem que o alimento seja aspirado para as vias aéreas (traqueia e pulmões). Este processo implica uma sensibilidade e motricidade normais de mais de 40 pares de músculos da boca e pescoço e uma coordenação perfeita entre os nervos que comandam a ação e os músculos que a executam.
A deglutição é dividida em três fases:
- Fase oral (fase voluntária)
Para engolir sem problemas é preciso preparar o bolo alimentar para o transporte, o que implica capacidade de encerramento dos lábios, de mastigar (presença de dentes, de saliva e movimentos da língua, da mandíbula e dos músculos mastigadores) e de empurrar a comida para a faringe. Enquanto isso, tem de haver encerramento da comunicação da boca para o nariz, para os alimentos não saírem pelas fossas nasais.
- Fase faríngea (Fase involuntária)
Esta fase tem como objetivo transportar o bolo alimentar para o esófago e proteger a via aérea. As cordas vocais e as falsas cordas encerram, a epiglote desce como um funil que direciona a comida e a laringe eleva-se para que a comida não seja aspirada para os pulmões. Simultaneamente o esófago abre e inicia-se a fase esofágica.
- Fase esofágica (Fase involuntária)
Nesta fase o bolo alimentar desce pelo esófago até ao estômago. Na ausência de doença não há movimento na direção oposta (refluxo).
O que é a disfagia?
Disfagia é a dificuldade em engolir alimentos sólidos, líquidos, comprimidos ou secreções. Este sintoma pode surgir associado a múltiplas doenças ou simplesmente ao envelhecimento.
Alguns estudos estimam que 22% das pessoas com mais de 50 anos sofrem de disfagia.
Quando suspeitar que existe um problema de deglutição?
Deve suspeitar-se de disfagia sempre que a alimentação é acompanhada de:
- Tosse ou engasgamento durante a alimentação (líquidos, sólidos ou medicamentos)
- Falta de ar / dificuldade em respirar
- Voz rouca ou voz "molhada" depois da refeição
- Dificuldade em mastigar
- Dificuldade em fazer progredir a comida da boca ou da garganta para o esófago
- Sensação de comida presa na garganta ou no peito
- Infeções respiratórias frequentes (como por exemplo pneumonia)
- Dor a engolir
- Babar / salivação constante
- Sentir a comida voltar à boca ou sair pelo nariz
Ou se existe:
- Recusa ou falta de prazer em ir comer fora de casa ou em ocasiões sociais
- Perda de peso sem razão aparente
Que doenças podem interferir com a deglutição e causar disfagia?
A disfagia é um problema global, que afeta homens, mulheres e crianças, e que pode ser causada por múltiplas doenças como:
- Acidente Vascular Cerebral (AVC)
- Doenças neurológicas (como por exemplo: doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, esclerose em placas, doença de Alzheimer)
- Demência
- Paralisia cerebral
- Tumores da cabeça e pescoço
- Traumatismos da cabeça e pescoço
- Pós-operatório de cirurgias do pescoço (cirurgia da tiroide, da coluna cervical, da carótida, entre outras)
- Pós-operatório de cirurgias ou intervenções cardíacas
- Refluxo faringo-laríngeo
- Envelhecimento
Por que é que ter dificuldade em engolir pode ser grave?
A dificuldade em engolir (disfagia) pode apresentar-se de formas muito variadas, ter causas muito diferentes e resultar em complicações graves como:
- desidratação
- malnutrição
- perda de peso
- pneumonia por aspiração de alimentos
- impacto significativo da qualidade de vida dos doentes
A disfagia pode até provocar a morte.
O que deve fazer se suspeita que um familiar tem disfagia?
O diagnóstico precoce e uma intervenção eficaz e atempada podem ajudar a obter uma reabilitação funcional e a prevenir complicações graves e a melhorar a qualidade de vida dos doentes com disfagia.
Qualquer suspeita de disfagia deve ser investigada. Na Unidade da Voz e Deglutição da CUF encontra uma equipa multidisciplinar, que, para além de realizar o diagnóstico, fará uma proposta de tratamento integrado, multidisciplinar, com o objetivo de conduzir a uma reabilitação eficaz.
Como são as consultas e os exames da deglutição?
Na Unidade da Voz e Deglutição da CUF estão disponíveis as consultas e exames necessários ao diagnóstico e tratamento: na consulta de deglutição o otorrinolaringologista vai obter uma história clínica completa, identificar as causas da dificuldade em engolir, verificar a força e o movimento dos músculos envolvidos na deglutição e observar a postura, o comportamento e os movimentos orais durante a alimentação. Realizam-se ainda exames endoscópicos, como a Videoendoscopia da deglutição. Este exame endoscópico é indolor e bem tolerado, com registo digital de som e imagem, necessário para o diagnóstico e planeamento terapêutico. Durante o exame é observada a laringe sem alimentos e enquanto o doente se alimenta, de forma a identificar a patologia específica em causa e definir que alimentos é seguro comer e em que quantidade.
Como se tratam as alterações da deglutição?
O tratamento geralmente depende da causa e do tipo da disfagia. Na maioria das vezes a disfagia pode ser corrigida ou melhorada, mesmo que a cura da doença de base não seja sempre possível.
O tratamento destas situações pode incluir:
- Terapia da deglutição (ensina técnicas de deglutição)
- Mudança da consistência dos alimentos de forma a que a deglutição seja mais segura
- Alimentação de formas diferentes da alimentação oral
- Cirurgia